- Escrito por Lilian Russo
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Lançada há 70 anos, vacina antipólio evitou milhares de mortes
Em 1º de janeiro de 1953, quando a cidade do Rio de Janeiro vivia a maior epidemia de poliomielite registrada até então no país, o Correio da Manhã noticiava: “Não há epidemia de paralisia infantil no Rio”. Os casos se multiplicavam – eram já 450, com 27 mortes, desde junho do ano anterior –, mas o Departamento de Higiene da prefeitura garantia que estavam “rigorosamente dentro da incidência habitual”. Em 23 de janeiro, o jornal voltava a negar a epidemia e, de forma jocosa, argumentava ser a poliomielite uma “doença do frio”, “elemento epidemiológico” inexistente no verão carioca.
Negar a gravidade da epidemia era uma estratégia para evitar o pânico. Outra forma de tranquilizar a população era recorrer a ações preventivas inócuas, como a dedetização feita no interior paulista quando já se sabia que a infecção podia ser transmitida por via fecal-oral. “Até a mosca foi vista como causadora da doença. Achava-se que ela pousava nas casas dos pobres e dali a levava para a casa dos ricos, durante as grandes epidemias de 1916 nos Estados Unidos”, relata a médica Dilene Nascimento, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e organizadora do livro A história da poliomielite (Garamond, 2010).
Naquele momento, ainda não havia uma forma eficiente de prevenção contra a infecção neurológica aguda que poderia rapidamente evoluir para um quadro irreversível de paralisia, sobretudo das pernas, ou para a morte, quando afetava os músculos da deglutição ou da respiração. Correndo contra o tempo, algumas vítimas com o sistema respiratório paralisado podiam ser salvas quando confinadas no chamado pulmão de aço, cilindro de metal com uma bomba que forçava a entrada e saída de ar dos pulmões.
A doença atingia principalmente crianças com menos de 5 anos – o que justificava o termo paralisia infantil –, mas também adultos. Em 1921, paralisou as pernas de um presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt (1882-1945), então com 39 anos de idade. Em 1943, matou o filho do presidente Getúlio Vargas, Getúlio Vargas Filho, de 23 anos.
Como havia um estado geral de medo e anseio por uma proteção efetiva contra a doença, o anúncio de que o virologista nova-iorquino Jonas Salk (1914-1995) havia desenvolvido um imunizante seguro e eficaz – injetável, feito com vírus inativado (morto) – fez dele uma celebridade mundial. A fama foi inevitável, mas ele dispensou a fortuna que poderia receber dos royalties. Quando perguntado quem seria o dono da patente, teria respondido: “O povo, eu diria. Não há patente. Você poderia patentear o Sol?”.
No mesmo dia em que os resultados positivos dos testes foram divulgados – 12 de abril de 1955 –, a vacina de Salk foi licenciada. Dois anos depois, os casos anuais nos Estados Unidos já haviam caído de 58 mil para 5.600, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Em 1961, surgia uma nova opção de imunizante, a vacina oral, produzida a partir de vírus vivo atenuado, desenvolvida pelo microbiologista polonês naturalizado norte-americano Albert Sabin (1906-1993). Ele também não quis patentear seu invento.
A poliomielite paralisava cerca de 1000 crianças por dia entre 125 países no mundo, de acordo com a Organização Panamericana de Saúde (Opas). “A vacina oral contra a poliomielite teve um grande impacto na erradicação da doença. Reduziu os casos causados pelo vírus selvagem em mais de 99,9%”, comenta a epidemiologista Ligia Kerr, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (FM-UFC). “As gotinhas são fáceis de administrar e a criança vacinada dissemina o vírus para outras crianças, o que a Salk não faz, por ser um vírus morto. Entretanto, o vírus vacinal atenuado pode sofrer mutações, especialmente quando a área apresenta baixa cobertura vacinal, causando casos de poliomielite.”
A marcha do medo
A conquista de uma vacina “segura, efetiva e potente” – como se anunciou o imunizante de Salk – foi o resultado de décadas de pesquisas e descobertas, desde os primeiros registros da doença, no século XVIII. Existem evidências de que a poliomielite atinge a humanidade desde 1350 a.C. (ver cronologia abaixo), mas apenas em 1789 o médico britânico Michael Underwood (1737-1820) faz a primeira descrição clínica da pólio, definindo-a como “debilidade das extremidades inferiores”.
Veja mais: https://revistapesquisa.fapesp.br/lancada-ha-70-anos-vacina-antipolio-evitou-milhares-de-mortes/



